sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Serra Diversificada: Por um novo caminho

Serra Diversificada: Por um novo caminho Serra Catarinense, 31/08 e 01/09/2013, Correio Lageano, por Núbia Garcia



– A Brahma nunca vai se instalar em Lages;
– Esta empresa Vossko não vem;
– Dizem que vão abrir empresas de tecelagem aqui. Duvido!



O serrano é assim, carrega no DNA uma forte dose de ceticismo e uma boa pitada de São Tomé. As frases acima até são fictícias, mas retratam exatamente o que ocorreu quando estas empresas ainda planejavam se instalar em Lages.



Embora não se perceba com facilidade, a economia local e regional teve profundas mudanças em duas décadas. As mesmas frases acima continuam sendo pronunciadas pelas esquinas lageanas, agora para prenunciar empreendimentos como Novaer Craft, Sinotruk e até mesmo o Orion Parque e empresas de tecnologia. Isto sem falar no shopping à beira da BR-282, cujas obras estiveram a um ritmo quase zerado, mas voltaram a avançar. Nas esquinas, quando o shopping parou, não havia dúvidas: já era. A troca no comando do empreendimento, há dois meses, impulsionou a construção.



A Serra vive um momento especial em investimentos e diversificação de negócios. Empresas de grande porte pretendem se instalar aqui. O processo, porém, é demorado. Enfrentam todo tipo de burocracia e instabilidade próprias do país.



Velocidade


No caso da rede BIG, nem houve tempo para ceticismo. Quando Lages se deu conta, as obras já estavam a pleno vapor. O supermercado está quase pronto e os funcionários sendo contratados.



Neste processo, empresas que identificaram por décadas a economia regional deram espaço para outros segmentos. A madeira, que significou para a Serra o que o café representou para o Brasil nos anos 1920, continua importante, mas deixou de ser o principal arrecadador de impostos de Lages.



O setor da madeira encolheu a partir da segunda metade da década passada, quando o mercado norte-americano entrou em parafuso. Houve um baque nas finanças de toda a Serra. Se foi maléfico naquele momento, tem servido para Lages buscar alternativas.



Setores como o têxtil, que até podem parecer exóticos na região, passam a ter relevância. O crescimento econômico local, ao longo das duas últimas décadas, é considerado por especialistas apenas como mediano. A diversificação econômica lageana ainda engatinha, mas a região mais pobre do Estado começa a traçar um caminho que é a cara de Santa Catarina.



Panorama


Atividades que mais geram ICMS em Lages


  •  Fabricação de bebidas alcoólicas (Ambev)
  •  Fabricação de embalagens de papel, cartolina, papel cartão e papelão ondulado (Klabin)
  •  Comércio varejista não especializado (comércio em geral como Havan)
  •  Geração, transmissão e distribuição de energia elétrica (Celesc e as subestações)
  •  Abate e fabricação de produtos de carne (Vossko e Marfrig, por exemplo)
  •  Comércio atacadista especializado em produtos alimentícios, bebidas e fumo (distribuidoras de bebidas e gêneros alimentícios)
  •  Transporte rodoviário de carga (transportadoras)
  •  Comércio varejista de produtos novos não especificados anteriormente e de produtos usados (Comércio em geral inclusive os supermercados)
  •  Telecomunicações por fio (empresas de telefonias)
  •  Comércio varejista de combustíveis para automóveis (distribuidoras e postos de combustíveis)
  • FONTE: Amures



Os negócios que surgiram depois da queda do setor madeireiro


Há duas décadas, se alguém pronunciasse que o setor madeireiro deixaria de ser o carro-chefe da economia lageana seria chamado de maluco. Vinte anos se passaram e empresas de alimentos e bebidas puxam a arrecadação de impostos. Quem imaginaria que marcas consagradas, como a Battistella e Madepar, fossem dar lugar a outras, como a Ambev.



A crise iniciada nos EUA em 2008 tirou espaço do setor madeireiro, que tinha naquele país o principal mercado. A queda vertiginosa nas exportações impactou no perfil econômico lageano.


O ex-secretário do Desenvolvimento Econômico de Lages Carlos Eduardo de Liz enfatiza a expansão da Vossko do Brasil, da Seara e da Ambev. Esta anunciou em agosto o investimento de R$ 140 milhões e a geração de mais 100 empregos.



Este movimento tem provocado outra mudança: a remuneração dos novos setores é mais alta. “Lages era um polo de distribuição de peças automotivas; hoje ela volta a ser um polo de distribuição, mas de alimentos”, compara Carlos de Liz. “Tem atacados se estabelecendo em Lages. Alguns nem procuram por incentivos públicos. Estão apostando aqui pela logística, como os atacados de carnes”, destaca.




Perspectivas


As futuras instalações de indústrias como a chinesa Sinotruk (automotiva) e a Novaer Craft (aeronáutica) contribuem para a mudança no perfil. Hoje, a indústria gera 24% dos empregos na Serra, e a tendência é que esta fatia cresça “exponencialmente com a implementação de novos nichos”, analisa o vice-presidente regional da Federação das Indústria de Santa Catarina (Fiesc), Giordan Heidrich.



A Sinotruk pretende fabricar 5 mil caminhões por ano em Lages, Isso vai gerar 400 postos de trabalho diretos e outros 700 indiretos. Já a paulista Novaer desenvolve o protótipo da aeronave que será fabricada na Serra. A unidade prevê 120 aviões por ano e a criação de 400 empregos.



Para Heidrich, se consolidados estes investimentos, dentro de cinco ou seis anos, a região dará um salto industrial. “Estas projeções são importantíssimas para a região, que passará a ter novas indústrias em setores que hoje a gente não tem. Isso vai alavancar outras empresas fornecedoras.”



Município ainda se ressente de uma identidade


Apesar de Lages estar mudando o perfil econômico, o município ainda está longe de atingir o grau de desenvolvimento de outros polos catarinenses, como Blumenau, Criciúma e Chapecó. O pinheiro permanece um símbolo do município, mas já não monopoliza a economia. Nos anos 1950, a madeira fez com que Lages se tornasse o maior arrecadador de impostos no Estado.


Lages não é uma cidade industrial. É considerada um dos centros turísticos do Estado, mas também não é uma cidade tipicamente turística. “Tirando a Festa Nacional do Pinhão, Fashion Hair e Moto Neve, no balanço anual da economia, o turismo não pesa muito”, avalia o presidente da Associação Empresarial de Lages (Acil), Luiz Spuldaro.



Um fato paralelo se soma à diversificação econômica. O ensino também se expande. Nesse período de 20 anos, surgiu uma nova universidade (Facvest), enquanto o Centro Agroveterinário e a Uniplac ampliaram. Cresceram também os cursos técnicos.



Hoje, Lages oferece 4 mil vagas de graduação por ano, além de 600 em pós-graduação. Este avanço, porém, não tem impedido o fenômeno da litoralização. “Há empresas que não quiseram vir para cá porque estamos distantes dos portos, das rodovias principais e não temos aeroporto”, comenta Spuldaro.



A retomada do polo de combustíveis



Tudo leva a crer que grandes investimentos anunciados em Lages vão se concretizar. Novaer Craft, Sinotruk e o Orion Parque em operação vão representar o mesmo empurrão que significaram as instalações da Brahma, da alemã Vossko e  da indústria têxtil.



Lages teve uma distribuição forte de combustíveis até duas décadas, mas o setor encolheu drasticamente. Porém, os investimentos na base da Idaza Distribuidora de Petróleo Ltda devem fazer o município voltar a ser um polo importante na distribuição combustíveis, inclusive maior do que era até a segunda metade dos anos de 1990.



Em julho, a distribuidora recebeu da Fatma a liberação para dar início às obras de construção da nova base. No começo de agosto, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) fez o mesmo. Agora começa a última fase, a contratação da empresa que executará o trabalho.



Salto em distribuição



De acordo com o chefe da base em Lages, Alaor José de Abreu, a obra pode começar nas próximas semanas. Com a nova base, a capacidade de armazenamento passará dos atuais 1,5 milhão de litros de combustíveis para 9,5 milhões. “Com esta obra, vamos poder atender todas as companhias que estão instaladas”, prevê Abreu. Junto à Idaza atuam a Ipiranga (que faz distribuição desde novembro de 2012) e a Shell (desde julho deste ano). Além destas distribuidoras, a Petrobras, que firmou convênio com Idaza no ano passado, está com as salas praticamente prontas. Os carregamentos em Lages devem iniciar até o final deste ano.



Operação



A ampliação só não está pronta desde julho deste ano, mês da previsão inicial para começo das operações, por entraves burocráticos. Agora, a expectativa é que sejam concluídas no primeiro trimestre de 2014.




Quando Lages sediava o Pool do Petróleo, a distribuição de combustíveis chegou a 30 milhões de litros por mês, para o Planalto, Meio-Oeste e parte do Oeste de SC. Com a vinda da Ipiranga, Shell e Petrobras, esse volume deverá ser superado, pois pode chegar a 50 milhões de litro/mês dentro de dois anos e com capacidade de ampliação da distribuição, abrangendo também o Norte do Rio Grande do Sul.


O pool

  •  Funcionou de 1971 a 1997, no Bairro Bates;
  •  Era gerenciado pela Shell e tinha como parceiros Ipiranga Atlantic, Petrobras e Esso;
  •  A capacidade de carregamento era de 30 milhões de litros/mês;
  •  A Idaza faz um trabalho semelhante, mas ainda em proporções menores.
  • Oferece gasolina comum e aditivada, diesel S10 e aditivado e álcool.
  • Distribui 15 milhões de litros por mês. Com a ampliação, a capacidade chegará a 50 milhões de litros/mês;
  •  A Idaza opera desde 2011



De setor estranho à região, têxtil projeta se tornar uma referência



Se o relógio voltar uma década, os serranos vão lembrar que o setor têxtil em Lages até existia, mas não era significativo, não tinha peso econômico. A região foi brindada com a escassez de mão de obra no Vale do Itajaí, e algumas empresas vieram para a Serra em busca de trabalhadores. Antes desta guinada, até o sindicato do setor estava desativado. Foram dez 10 anos até sua reabertura, no ano passado.



O setor emprega em Lages em torno de duas mil pessoas diretamente e outras duas mil indiretamente. O presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem, do Vestuário e do Calçado de Lages (Sinditêxtil), Luciano Müller, calcula que até 2017 a cidade se tornará um polo de confecção em Santa Catarina.



A ideia já começa a tomar corpo por meio de projetos e ações. No primeiro semestre deste ano, por exemplo, foi firmada uma parceria com o Sebrae, que oferece consultoria individual para 16 empresas. O trabalho terá prosseguimento com outras empresas.



Empresários como Wanderley Luiz Vieira investem pesado para que Lages se torne polo no setor. No ramo há 19 anos, ele enfatiza a transferência de empresas do Vale para a Serra atrás de mão de obra. Quando ele começou suas atividades, o setor era quase um estranho no município.



Num primeiro momento, para se manter e abrir mercado, Vieira investiu em uniformes colegiais, profissionais e esportivos. Depois começou a trabalhar com estamparias e fabricação de cortinas. “Esse foi o grande pulo do mercado”. Hoje, Vieira tem três empresas que atuam somente com cortinas e vende exclusivamente para empresas de Blumenau, a Meca Têxtil.



Radiografia
  •  Na região da Amures havia até o final do ano passado 70 indústrias do ramo de confecção e malharia, entre pequenas, médias e grandes, conforme a Fiesc.
  •  Destas, 50 estão em Lages, estima o Sinditêxtil.
  •  Juntas estas 70 indústrias movimentam R$ 5 milhões por mês na economia da região.


Tecnologia sofre para preencher 200 empregos


No processo de diversificação econômica de Lages há um segmento que ainda engatinha, mas que vê potencial na Serra, tanto que não consegue preencher as vagas. Há apenas cinco anos começou a ganhar corpo o segmento de tecnologia.



O anúncio de instalação da Softplan (empresa desenvolvedora de softwares, de Florianópolis) vem  se somar ao projeto de criação do Orion Parque, ao trabalho no MidiLages (ambiente de incubação de base tecnológica, junto à Uniplac) e do Núcleo de Tecnologia da Informação da Acil.



O setor emprega em torno de 1.500 pessoas. Segundo a coordenadora do Núcleo de TI da Acil, Nelissa Gevaerd Colossi Branco, que também é vice-presidente do Orion Parque e conselheira MidiLages, existe a expectativa de criar pelo menos 200 vagas até o final do ano, para áreas como call centers, tecnologia da informação (desenvolvimento de hardwares e softwares) e biotecnologia.



Foto: Luiz Augusto Del  Moura/Divulgação

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