Mauricio Neves,
nosso colaborador de futebol gaúcho é natural de Lages-SC e nutre uma
paixão rara nos dias de hoje: o quase extinto Internacional de Lages.
Mauricio já mandou fazer camisas retrô, mini-craques e vai lançar, ainda
esse ano, um livro que conta a história do Inter e um pouco do futebol
da região.
No último
sábado, 27, a cidade comemorou os 44 anos do seu maior título: o
longíquo catarinense de 1965 ( a final foi realizada em março de 66).
Como todo torcedor “alternativo” fanático, Mauricio deu sua visão sobre a
maior conquista da história do clube. Texto carregado de emoção. Vale a
pena ler.
“O ponteiro Zezé recebeu a bola ao lado da área, vigiado de perto pelo lateral Édson Madureira. Ameaçou retroceder para o
armador
Ricardo, mas mudou o movimento do pé e deu um toque cavado para o fundo
do campo, ganhando meio passo de vantagem sobre seu marcador. O
cruzamento saiu suave e passou por cima do centroavante Puskas, que
puxara a marcação no primeiro pau. Por pouco a bola não encobre também o
camisa onze Anacleto, que subiu tudo o que pôde, logo ele, que nunca
havia feito um gol de cabeça. Das cinco mil pessoas que superlotavam o
acanhado estádio Vidal Ramos, nenhuma teve melhor visão do lance do que
Zezé. Ele viu Anacleto dar com a testa em cheio na bola, que tomou o
rumo do canto esquerdo do goleiro Rubens. Apanhado no contrapé, o velho
Rubão se esticou todo, com a mão esquerda espalmada. Não houvesse a rede
e a bola pararia nos pés de Zezé, depois da linha de fundo. Mas havia
uma rede, e a bola ficou ali, no fundo do gol do Metropol.
Naquele
instante, o Internacional de Lages marcava pela segunda vez na tarde de
27 de março de 1966. Anacleto, que tinha um canhão no pé esquerdo,
também havia marcado o primeiro gol, mas de pé direito. Ele jamais havia
marcado gols com o pé direito
ou
de cabeça, e quis o destino que o fizesse justamente no jogo mais
importante de sua vida, o jogo que deu ao Internacional a maior
conquista de sua história, o título de campeão catarinense de 1965. O
lendário Metropol ainda marcaria o seu gol de honra, mas não seria
suficiente para estragar a festa colorada.
O Inter
de Lages, clube que havia sido fundado 17 anos antes por torcedores do
Inter de Porto Alegre, não acabou ali. Na verdade, estava em plena
ascensão. Ainda em 1966, inauguraria o seu próprio estádio, o Vermelhão,
em um amistoso contra o Huracán de Buenos Aires. Em 1974 seria
vice-campeão catarinense, com o centroavante Parraga, que brilharia
depois na Ponte Preta. Teria ainda outras glórias que não constam sequer
como nota de rodapé na história do futebol, mas que orgulharam sua
torcida. Uma vitória contra a Máquina Tricolor, com Edinho e Rivellino,
em 1978. A honra de ter Andrade, campeão do mundo pelo Flamengo,
vestindo sua camisa vermelha em 1991. E a última grande festa, a
conquista do campeonato estadual da segunda divisão em 2000, com um gol
de falta de Kuki, ainda longe do sucesso que teria no Náutico.
Para
todos que, como eu, frequentaram o estádio Vidal Ramos, o Internacional
era um gigante. Porque representava a nossa cidade, porque amávamos o
time sem pedir nada em troca, porque era aquele o futebol que nos
chegava sem o chiado do rádio e sem o distanciamento da televisão. O
Internacional era o nosso futebol com cheiro de grama, com o estampido
seco da chuteira batendo na bola, com os lugares que ocupávamos domingo
após domingo, longe demais dos Maracanãs e Morumbis, mas perto de nossos
passos, de nossas casas, de nossos sonhos.
Assim como o Tejo não era mais belo que o rio da aldeia de Pessoa porque não
era
o rio da aldeia de Pessoa, amávamos o Internacional. Não era um clube
que jogava as grandes ligas, que pisava os melhores gramados, que
arrastava multidões, mas era o clube da nossa aldeia. Era, porque está
desativado, vitimado por ele próprio, pelo futebol que não se faz mais
com a renda dos jogos, pelo tempo que é tão diferente daquela tarde
nublada de 27 de março de 1966.
Eu
poderia falar do Internacional pelas histórias que ouvi, pelos dribles
que vi, pelos gols que gritei. Poderia dizer que aquelas camisas
vermelhas se espalhando pelo campo são o meu sentimento mais remoto de
pertença. Mas prefiro mostrar a foto do gol do título, com Anacleto já
caído vendo a bola entrar, Rubens esticado no salto inútil, o estádio a
décimos de segundo da explosão maior. Só por agora, vou acreditar que o
Internacional ficou congelado ali, a um sopro de sua glória maior.
Porque faz 44 anos, nem a taça existe mais e porque o Inter hoje,
parafraseando Drummond, é só uma foto na parede. E como dói.”
Ficha Técnica:
Internacional 2×1 Metropol (Criciúma)
27 de março de 1966 – Campeonato Catarinense – FINAL (temporada 1965)
Estádio Municipal Vidal Ramos Júnior – Lages
Árbitro: José Witti da Silva (Paraná)
Inter: J. Batista, Antenor, Leoquídio, Setembrino e Carlinhos; Dair e Almir; Zezé, Ricardo, Puskas e Anacleto.
Metropol: Rubens, Pedrinho, Hamilton, Nenê e Edson Madureira; Zequinha e Milton; Calita (Galego), Idézio, Madureira e Wolney.
Gols: Anacleto aos 15 do 1° tempo; Anacleto aos 14 e Édson Madureira aos 30 do 2° tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário