Lages, 02 e 03/02/2013, Correio Lageano, por Thomas Michel
Pode se contar nos dedos os sabedores de que 2013 é o centenário de um dos maiores artista de Santa Catarina. O lageano Malinverni Filho foi genial no que fez: pintou e esculpiu a ponto de morrer intoxicado pelas tintas. Manteve sua família com a arte, mas não conseguiu sequer comprar um carro. Hoje seus numerosos quadros valem mais de R$ 10 mil cada. “Está morto, podemos elogiá-lo a vontade”, recomendaria Machado de Assis aos lageanos.
Nascido caçula do italiano Agostinho Maliverni, recebeu o nome do pai e os dotes da arte. Naquele 16 de fevereiro de 1913, veio ao mundo na casa do escultor responsável pela mais bela cantaria da região, no prédio do Colégio Vidal Ramos.
Enquanto seu pai esculpia as pedras na frente de casa, Agostinho Malinverni Filho desenhava sua mãe costurando e usava carvão para retratar paisagens no chão. Aos 13 anos, pintou seu primeiro quadro, Santa Luzia, com tintas inapropriadas para tela.
Quando tinha 17, já havia retratado, entre outras pessoas, seu pai e, no mesmo mês da posse, o novo presidente brasileiro Getúlio Vargas. As telas se tornavam maior que a própria vida.
Fez a mala, iria fugir, estudar arte. Quando descobriu o plano, o pai disse que tentaria realizar o sonho do filho, mesmo sem condições financeiras. Conseguiu, por intermédio de um conhecido, que o governo catarinense concedesse a primeira bolsa para a Escola Nacional de Belas Artes.
O dinheiro mal dava para se manter, e o período no Rio de Janeiro foi à base de pão com banana. Pintava com restos de materiais de outros alunos, pois não tinha como comprar.
De sua pensão, pintou Rua Taylor em 1936, quando não tinha atingindo nem a metade do curso. Seu quadro competiu com outros alunos mais avançados. Malinverni recebeu com surpresa o primeiro lugar. Ali começavam os louros recorrentes até sua chegada em Lages.
As exposições se iniciaram em 1941 e foram até 1955, quando não conseguia mais reunir obras suficientes, pois vendia todas. No ano de 1949, em Porto Alegre, chegou a marca de 45 telas compradas das 50 expostas.
Em 1947 voltou a Lages, queria difundir o gosto cultural apurado que adquirira no Rio de Janeiro. Montou a primeira escola de Belas Artes do estado, que durou cinco meses. Fechou em protesto à falta de apoio da prefeitura.
Daquele momento em diante, suas obras eram vendidas para viajantes, turistas e quem mais quisesse. Vendeu para 14 países e levantou algumas das estátuas mais importantes da cidade: a de Correia Pinto e a de Nereu Ramos.
Refém do academicismo, acreditava que nas artes não era permitido ao homem alterar a obra de Deus. Abominava o futurismo e o modernismo da época, que, para a artista plástica Katja Wolkert, o impediu de alçar voos maiores.
“Era meio fora do ponto. Enquanto outras escolas se impunham, ele era conservador”, diz o ex-aluno e jornalista Geraldo Canali. Quando Cândido Portinari morreu, Malinverni Filho afirmou que o paulista não havia sido envenenado pelas suas tintas, como diziam, mas pela sua má arte. Coincidentemente, o câncer que se desenvolveu no lageano também era resultado do convívio excessivo com as tintas.
Segundo sua viúva, Maria do Carmo Lange Marlinverni, o artista não chegou a realizar sua grande obra. À la Victor Meirelles, queria escrever com os pincéis a história de sua terra.
As encomendas constantes de paisagens de pinheiros e flamboyants ocupavam todo seu tempo e apuravam a técnica. Morreu no auge, um mês após a última pincelada, no quarto 13 do Hospital Nossa Senhora dos Prazeres, às 18h30. No último quadro, inacabado, não consta a assinatura de um homem digno de ocupar um lugar no panteão dos artistas.
A vingança esculpida com virtuosidade
Malinverni Filho era sensível, mas chorou apenas duas vezes na vida, segundo conta a viúva Maria do Carmo. Uma delas, foi por conta de Nereu Ramos. Quando o ex-presidente era interventor estadual, em 1937, cortou a bolsa de estudos que o artista recebia de Santa Catarina.
O dinheiro deveria ir para as aulas de pintura, mas, por influência dos professores, a escultura também entrou no currículo e o político cancelou o benefício. A vingança veio 20 anos depois, na última visita antes da morte do então senador da República.
Os cruzeiros não chegaram às mãos de Malinverni. Já sabia que a matrícula na disciplina de escultura tinha resultado nesse imbróglio. Na concepção de Nereu, não se podia ser pintor e escultor ao mesmo tempo. Talvez não conhecesse Michelangelo.
Para Maria do Carmo Malinverni, o político apenas usou o argumento como pretexto para conceder a bolsa a Martinho de Haro, que viajou para a Europa estudar arte.
Depois de muito insistir, Malinverni conseguiu audiência com o então interventor e foi recebido com a máxima: “Você volte para Lages e vá plantar batatas”. O desmerecimento fez o artista levantar a mão para o conterrâneo, sendo contido por um guarda. “Foi a salvação dele, imagina bater no governador? Iria estar preso até hoje”, brinca a viúva.
Se virou no Rio de Janeiro onde montou um ateliê no porão da escola de belas artes e, posteriormente, no teatro João Caetano e com sua arte sobrevivia e ganhava fama. Quando contratado para fazer a homenagem ainda em vida ao político, aceitou.
Iria fazer o melhor trabalho de sua vida para mostrar que era um grande escultor. Nereu, a estátua, só faltava sair andando, dada a riqueza de detalhes. O presidente nada falou para o artista, que não foi convidado para a inauguração. Assistiu à cerimônia da sacada do prédio Dr. Accacio, estava acima do político.
"A arte é a religião do belo. A pintura é uma oração colorida"
"Ninguém nesse mundo é inteiramente feliz, pois felicidade se consiste num moto-contínuo de sensações agradáveis"
"Saber esperar é uma virtude que só os fortes praticam"
"A fortaleza do homem torna-se impotente diante da fragilidade feminina"
"Perspectivas: são linhas mentirosas que dizem a verdade"
"Sendo Deus o supremo artista, deturpar a natureza é profanar sua obra"
Centenário Malinverni Filho
Fim de semana
• Um século de Malinverni
• A briga com Nereu Ramos
Segunda
• Memória esquecida do artista
Terça
• O estado esquece do artista
• Uma breve realização pessoal
Foto: Thomas Michel
Pode se contar nos dedos os sabedores de que 2013 é o centenário de um dos maiores artista de Santa Catarina. O lageano Malinverni Filho foi genial no que fez: pintou e esculpiu a ponto de morrer intoxicado pelas tintas. Manteve sua família com a arte, mas não conseguiu sequer comprar um carro. Hoje seus numerosos quadros valem mais de R$ 10 mil cada. “Está morto, podemos elogiá-lo a vontade”, recomendaria Machado de Assis aos lageanos.
Nascido caçula do italiano Agostinho Maliverni, recebeu o nome do pai e os dotes da arte. Naquele 16 de fevereiro de 1913, veio ao mundo na casa do escultor responsável pela mais bela cantaria da região, no prédio do Colégio Vidal Ramos.
Enquanto seu pai esculpia as pedras na frente de casa, Agostinho Malinverni Filho desenhava sua mãe costurando e usava carvão para retratar paisagens no chão. Aos 13 anos, pintou seu primeiro quadro, Santa Luzia, com tintas inapropriadas para tela.
Quando tinha 17, já havia retratado, entre outras pessoas, seu pai e, no mesmo mês da posse, o novo presidente brasileiro Getúlio Vargas. As telas se tornavam maior que a própria vida.
Fez a mala, iria fugir, estudar arte. Quando descobriu o plano, o pai disse que tentaria realizar o sonho do filho, mesmo sem condições financeiras. Conseguiu, por intermédio de um conhecido, que o governo catarinense concedesse a primeira bolsa para a Escola Nacional de Belas Artes.
O dinheiro mal dava para se manter, e o período no Rio de Janeiro foi à base de pão com banana. Pintava com restos de materiais de outros alunos, pois não tinha como comprar.
De sua pensão, pintou Rua Taylor em 1936, quando não tinha atingindo nem a metade do curso. Seu quadro competiu com outros alunos mais avançados. Malinverni recebeu com surpresa o primeiro lugar. Ali começavam os louros recorrentes até sua chegada em Lages.
As exposições se iniciaram em 1941 e foram até 1955, quando não conseguia mais reunir obras suficientes, pois vendia todas. No ano de 1949, em Porto Alegre, chegou a marca de 45 telas compradas das 50 expostas.
Em 1947 voltou a Lages, queria difundir o gosto cultural apurado que adquirira no Rio de Janeiro. Montou a primeira escola de Belas Artes do estado, que durou cinco meses. Fechou em protesto à falta de apoio da prefeitura.
Daquele momento em diante, suas obras eram vendidas para viajantes, turistas e quem mais quisesse. Vendeu para 14 países e levantou algumas das estátuas mais importantes da cidade: a de Correia Pinto e a de Nereu Ramos.
Refém do academicismo, acreditava que nas artes não era permitido ao homem alterar a obra de Deus. Abominava o futurismo e o modernismo da época, que, para a artista plástica Katja Wolkert, o impediu de alçar voos maiores.
“Era meio fora do ponto. Enquanto outras escolas se impunham, ele era conservador”, diz o ex-aluno e jornalista Geraldo Canali. Quando Cândido Portinari morreu, Malinverni Filho afirmou que o paulista não havia sido envenenado pelas suas tintas, como diziam, mas pela sua má arte. Coincidentemente, o câncer que se desenvolveu no lageano também era resultado do convívio excessivo com as tintas.
Segundo sua viúva, Maria do Carmo Lange Marlinverni, o artista não chegou a realizar sua grande obra. À la Victor Meirelles, queria escrever com os pincéis a história de sua terra.
As encomendas constantes de paisagens de pinheiros e flamboyants ocupavam todo seu tempo e apuravam a técnica. Morreu no auge, um mês após a última pincelada, no quarto 13 do Hospital Nossa Senhora dos Prazeres, às 18h30. No último quadro, inacabado, não consta a assinatura de um homem digno de ocupar um lugar no panteão dos artistas.
A vingança esculpida com virtuosidade
Malinverni Filho era sensível, mas chorou apenas duas vezes na vida, segundo conta a viúva Maria do Carmo. Uma delas, foi por conta de Nereu Ramos. Quando o ex-presidente era interventor estadual, em 1937, cortou a bolsa de estudos que o artista recebia de Santa Catarina.
O dinheiro deveria ir para as aulas de pintura, mas, por influência dos professores, a escultura também entrou no currículo e o político cancelou o benefício. A vingança veio 20 anos depois, na última visita antes da morte do então senador da República.
Os cruzeiros não chegaram às mãos de Malinverni. Já sabia que a matrícula na disciplina de escultura tinha resultado nesse imbróglio. Na concepção de Nereu, não se podia ser pintor e escultor ao mesmo tempo. Talvez não conhecesse Michelangelo.
Para Maria do Carmo Malinverni, o político apenas usou o argumento como pretexto para conceder a bolsa a Martinho de Haro, que viajou para a Europa estudar arte.
Depois de muito insistir, Malinverni conseguiu audiência com o então interventor e foi recebido com a máxima: “Você volte para Lages e vá plantar batatas”. O desmerecimento fez o artista levantar a mão para o conterrâneo, sendo contido por um guarda. “Foi a salvação dele, imagina bater no governador? Iria estar preso até hoje”, brinca a viúva.
Se virou no Rio de Janeiro onde montou um ateliê no porão da escola de belas artes e, posteriormente, no teatro João Caetano e com sua arte sobrevivia e ganhava fama. Quando contratado para fazer a homenagem ainda em vida ao político, aceitou.
Iria fazer o melhor trabalho de sua vida para mostrar que era um grande escultor. Nereu, a estátua, só faltava sair andando, dada a riqueza de detalhes. O presidente nada falou para o artista, que não foi convidado para a inauguração. Assistiu à cerimônia da sacada do prédio Dr. Accacio, estava acima do político.
"A arte é a religião do belo. A pintura é uma oração colorida"
"Ninguém nesse mundo é inteiramente feliz, pois felicidade se consiste num moto-contínuo de sensações agradáveis"
"Saber esperar é uma virtude que só os fortes praticam"
"A fortaleza do homem torna-se impotente diante da fragilidade feminina"
"Perspectivas: são linhas mentirosas que dizem a verdade"
"Sendo Deus o supremo artista, deturpar a natureza é profanar sua obra"
Centenário Malinverni Filho
Fim de semana
• Um século de Malinverni
• A briga com Nereu Ramos
Segunda
• Memória esquecida do artista
Terça
• O estado esquece do artista
• Uma breve realização pessoal
Foto: Thomas Michel
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