terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Catarinense descreve os passos para a vida

Catarinense descreve os passos para a vida
Serra Catarinense, 29/01/2013, Correio Lageano, por Joana Costa


Patrícia de Souza Fukushima, de São Joaquim, detalha os momentos de desespero durante o incêndio na boate gaúcha e como saiu do local




Das pontentes caixas de som da boate Kiss, em Santa Maria (RS), a música gaúcha embalava 1.500 jovens, a maioria universitários. Patrícia Fukushima de Souza, de São Joaquim, que estuda em Engenharia Florestal na Udesc, em Lages, e faz estágio no RS, dançava com três amigos.



Estavam perto da única porta e decidiram se aproximar do palco. Ainda estavam a caminho quando o grupo percebeu o empurra-empurra provocado pelo começo do incêndio. Eram apenas 30 metros para percorrer, mas foi o trajeto mais difícil da vida dela. Na segunda-feira (28), ainda abalada pela tragédia que matou 231 pessoas, Patrícia detalhou ao Correio Lageano os momentos decisivos que lhe salvaram a vida.




Sábado à noite Patrícia Fukushima, de 22 anos, se produziu, vestiu um short branco, camiseta verde, salto e caprichou na maquiagem. Era para ser apenas um momento de diversão e boas risadas com o grupo de amigos.



Ela relata que estava aproveitando a festa. “Uns dez minutos antes de tudo acontecer a gente pensou em ir para a frente, para ficar mais ou menos no centro da boate”. Patrícia lembra que começou o empurra-empurra, e ela e os amigos o atribuíram a uma possível briga. Instintivamente, o grupo se voltou para a porta de saída da boate. “Depois é que eu ouvi o pessoal gritando fogo, o corre-corre e a fumaça vindo. Não vi o fogo, só a fumaça preta e o pessoal indo em direção a porta, e a gente foi indo também.”




Nesse instante, a confusão se generalizou. A jovem joaquinense estava na companhia de uma garota e dois rapazes. A outra jovem conseguiu sair na frente e os rapazes ajudaram Patrícia a manter o equilíbrio, segurando-a pelo braço. “Comecei a ficar nervosa com tudo aquilo acontecendo, aquele tumulto”, lembra. Ela passou a se sentir mal e pediu ajuda aos amigos. “Tinha muita fumaça vindo, pessoas caídas pelo chão, elas devem ter tropeçado e a gente caiu por cima delas”.




No desespero, todos se levantavam rapidamente e continuaram a caminhada em direção à porta. “Uma guria me puxou pelo braço e a gente saiu”, relata, lembrando que esses foram os dez minutos mais longos e nebulosos de sua vida. Em meio à fumaça e aos gritos de desespero, todos tentavam deixar a Kiss já em chamas.



O horror do lado de fora


Do lado de fora, as cenas eram de terror. Desnorteada, Patrícia Fukushima de Souza conseguiu chegar à rua, onde ambulâncias, bombeiros e pessoas tentavam ajudar os que ainda não tinham saído. Um garoto retornou para o interior da boate na tentativa de resgatar um conhecido, mas não voltou. “Havia corpos no chão, foi horrível”.



Golpeada pela fumaça tóxica e pelas cenas de horror, Patrícia caminhou pela rua, assistindo à movimentação de outras pessoas que conseguiram escapar. Outra jovem foi deixada ao lado de Patrícia.



“Estava queimada, com a pele saindo, o braço vermelho, toda suja de fuligem. Não conseguia falar, caída no chão e com dificuldade para respirar”, descreve a catarinense, recordando que a garota pedia que água fosse jogada em seus ferimentos e que fossem retiradas as pulseiras de seus braços. “Eu não sabia o que fazer. Logo chegaram os amigos dela, colocaram-na num carro e a levaram para o hospital.”



Até então, Patrícia não tinha noção da tragédia. Ela passou em frente à boate minutos mais tarde. “Essa foi a pior parte, porque tinha um monte de gente caída no chão. Foi muito ruim”, conta.



No cenário de terror, o vai e vem de macas, pessoas passando com os corpos que eram deixados no estacionamento, aguardando os caminhões que iriam recolhê-los. “Só queria sair dali, tinha pessoas que haviam tirado a blusa para cobrir o rosto. Os corpos que eles retiravam estavam com as roupas rasgadas, todos pretos por causa da fumaça”, completa.



Professor da Udesc diz que cidade mudou


A cidade universitária, que costuma promover festas, normalmente frequentada por estudantes da UFSM, vive profunda consternação. Durante todo o dia de ontem, cortejos fúnebres cruzavam as ruas em direção aos cemitérios. A todo momento, os moradores descobrem que tinham mais um amigo, colega, vizinho ou conhecido entre as vítimas do incêndio.



Fabricio Mozzaquatro é professor da Udesc em Lages há um ano e meio. Ele nasceu em Santa Maria e estudou de 1996 a 2008 na UFSM. O docente conta que estava na cidade em visita à família no último fim de semana e descreve ao Correio Lageano o dia seguinte à tragédia.



Segundo Mozzaquatro, a consternação é grande. “A comoção é generalizada, a gente cruza com cortejos fúnebre a todo o momento”, relata, lembrando que todos os santa-marienses têm algum conhecido vítima da tragédia e compartilham da mesma dor. “A gente vai recebendo notícias de amigos e cada vez se apavora mais”, comenta.



O professor relata que cemitérios e o necrotério ficaram todo o dia repletos de pessoas sepultando seus entes ou buscando informações. “Eram bons alunos e suas vidas foram ceifadas de uma maneira muito bruta”, lamenta, lembrando que a maioria das vítimas eram alunos da UFSM.



De acordo com o professor, a sensação se refletem em todo o Rio Grande do Sul, pois grande parte dos jovens mortos na tragédia era proveniente de outras cidades. Ele conta que passou o fim de semana com a família em uma propriedade rural e tinha planos de retornar à Lages no domingo, mas adiou a volta devido à tragédia.



Polícia prende envolvidos no incêndio na boate Kiss



Três pessoas envolvidas no incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria, foram presas otnem em caráter temporário. A informação foi confirmada pelo delegado da 1ª Delegacia de Polícia do município, Marcos Viana.



Segundo o delegado, os pedidos de prisão temporária de cinco dias foram decretados em razão de boatos de que eles poderiam deixar a cidade sem prestar depoimentos à polícia.



“Em razão disso, concluímos pela necessidade de pedir a prisão temporária, já que acreditamos que os depoimentos deles são necessários para nos ajudar a esclarecer o episódio”, declarou o delegado.



O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, ficou abalado com o incêndio na boate Kiss. Em uma nota, o porta voz da ONU descreveu que Ban Ki-monn “ficou especialmente comovido com a notícia do grande número de jovens, incluindo estudantes universitários, que, segundo relatos, faleceram como resultado do fogo”.



As autoridades estaduais confirmaram que, dos 231  mortos, 101 eram alunos da Universidade Federal de Santa Maria. O incêndio é apontado por especialistas como o segundo mais faltal da história do Brasil. A pior tragédia ocorreu em 1961 no Gran Circus Norte-Americano, em Niterói (RJ), com 503 mortos.




Foto: Agência Brasil/Divulgação

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